O
desenvolvimento dos afetos ocorre sim durante toda a vida, e a música é um
excelente instrumento que subsidia a maturação já na infância. As relações desenvolvidas
através desta prática ocorrem com o compartilhamento de experiências,
expandindo a criatividade. Na prática, como toda arte, a música expressa os
desejos humanos sob a ótica da individualidade, como também favorece o
fortalecimento dos aspectos racionais.
Considerando
que antes da prática educativa, a criança deve ter vivenciado a música em sua
cultura, seja acompanhando por eventos musicais ou não estes aspectos são
auditivamente desenvolvidos. Esse
contato social inicia-se já na gestação, com a presença materna.
Em seu
artigo A vida dentro do útero, Kisilevsky
descreve que muito embora o tato seja o primeiro sentido a ser desenvolvido
pelo ser humano com dois meses de vida uterina, cabe à audição a função de dar
ao feto o primeiro contato com o mundo exterior. “A partir do quinto mês é capaz de ouvir sons
externos e demonstrar reações de tranqüilidade e agitação, conforme os
estímulos sonoros recebidos.” (Kisilevisky, 2009; p.40)
“No mundo intra-uterino antes de haverem
palavras, existem sons. Ao ouvir um fonema, a rede de neurônios é acionada e
ocorre a formação de conexões no córtex auditivo do cérebro, aspecto que deve
ser considerado no processo da aquisição da linguagem da criança que analisa a
receptividade do som antes mesmo de conhecer o significado dos vocábulos, essa
mesma aptidão é utilizada no reconhecimento de um trecho musical. A articulação
fonadora define parâmetros para obtermos as sílabas, os acentos que conduz ao
fluxo de respirar e a aptidão para comunicação verbal. Esse parâmetro
fonador-sonoro no conceito da música com duração, intensidade, altura e timbre
do som são o mesmo para a voz falada e para a voz cantada. A entonação da voz,
porém, alterna essa recepção vocal”. (Kisilevisky.
2009; p.40)
A
linguagem do som se torna então a expressão das emoções humanas mais profundas.
Assim, pensando na conotação dos sons percebe-se que a linguagem musical na
educação infantil, nas aulas de musicalização, nas canções aprendidas em casa
ou escola, comum no universo infantil, contribuem para a construção do universo
emocional da criança.
Pode-se
dizer que os sons e as emoções emitidas através da música dispõem ao indivíduo
um desenvolvimento cerebral eficaz, estimulando a atenção e concentração,
consequentemente sua criatividade e imaginação:
Sabíamos que a música ativa as circunvoluções
temporais superiores do hemisfério direito, região do cérebro responsável pelos
processos criativos, mas se viu que envolve também o esquerdo, que domina os
processos lógico-matemáticos, sobretudo quando um trecho musical não é apenas
escutado, mas executado (...). O cérebro, de fato, parece em condições de
analisar separadamente os diversos componentes da música: enquanto o hemisfério
direito assimila o timbre e a melodia, o esquerdo analisa o ritmo e a
intensidade dos sons. E o faz envolvendo áreas delegadas às funções diversas,
como a área da broca, diretamente relacionada à linguagem (...). (Cicerone,
2008; p.64).
Voz
falada e voz cantada estão interligadas musicalmente em sua concepção, porém, a
linguagem atinge sua plenitude no canto, visto que a voz falada utiliza apenas
uma parcela ínfima dos recursos vocais, enquanto o canto permite o uso de todo
o potencial, por sua grandeza, chega por vezes obscurecer a palavra.
A soma
dos estímulos auditivos desenvolve na criança habilidades que não se restringem
ao domínio da música. Ocorre, portanto, uma transferência de disposições, onde
toda a personalidade e aspectos intelectuais, emocionais e sociais são
favorecidos. Essas primeiras relações desenvolvem na criança aptidões,
estimulam a sensorialidade, o prazer de aprender e relacionar-se. Essa busca de
uma via intermediária entre o exercício do pensamento lógico e a percepção
estética devia naturalmente inspirar-se no exemplo da música, que sempre a
praticou.
Por ser
essa ‘entidade invisível’, não palpável, mas sentida, a música desperta
naturalmente na criança a ‘corporificação’ dos sons, transformando-o em
máquinas, animais, brinquedos dotados de sentimentos e emoções. Essa audição
associativa, claramente simbólica, transforma-se em instrumento de
identificação musical para a discriminação dos elementos constitutivos da
linguagem musical.
Este
aprendizado este nem sempre verbal, que indiretamente estabelece uma relação
entre a aprendizagem dos vocábulos e das impostações dos sons vocais. É por
isso que na
Educação Musical a musicalização inicia-se com o diálogo e interação entre
educador e criança, com jogos de criação musical, brincadeiras inicialmente
imitativas. A observação do professor aí nessa etapa é importante para
compreender os interesses infantis no processo de aprendizagem inserindo
dinamicamente os conteúdos para uma aquisição de aprendizagem interdisciplinar
estimulante e integrada.
“A ação musical deve preceder a reflexão, que
o gesto deve antecipar-se à palavra; o ato de demonstrar deve ocorrer antes de
qualquer explicação”. (Wallon 1995; p. 18). Essa compreensão muscular de
envolvimento das ações e atos volitivos corresponde em primeiro plano o
desenvolvimento cognitivo da criança, estimulando-as à percepção do mundo ao
seu redor e a necessidade de respondê-lo e descobri-lo.
Portanto
tanto a educação quanto à cultura devem receber prioridade num entendimento e
análise da aprendizagem musical, na aprendizagem como um todo e de como essa
relação se dá.
“Os
elementos fundamentais da música dependem dos elementos fundamentais do ser humano:
fisiológicos afetivos, mentais e que o problema do analfabetismo musical pode
ser colocado sobre o mesmo patamar da problemática psicológica do analfabetismo
verbal. (...) O Ser humano é universal,
planetário. É normal considerar uma educação musical, planetária, baseada sobre
a natureza humana dinâmica, sensorial, afetiva e mental. (...) A natureza
humana é musical, é cósmica; ela é animada pelas forças vitais que anima os
diversos reinos da natureza: vegetal animal e humana, e não se excluí eventualmente
o supra-humano. (...) Se pode viver sem música, mais menos bem, e ainda
dizemos: se pode fazer música sem saber ler e escrever, mas menos bem”.
(Willems 1989; p. 39 e 40)
Nessa perspectiva, a musicalização infantil não busca apenas um
respeito ou uma tolerância às diferenças, mas, ao contrário, suscita o convívio
pleno com a diversidade humana, extraindo-se todas as riquezas que dele advêm.
Cicerone, Paola. Em
Rítmo Musical in Per Musi n˚ 03. Minas Gerais: UFMG, 2008.
Kisilevisky. 2009.
Nature childrens.
Wallon, H. A evolução
psicológica da Criança ( Rio de Janeiro: Andes, s/n).
Willems, E. Sur les
pas. (Ed Wilems. France.
1990).
Autoria: Carlos Andrade Júnior - Psicólogo, Bacharel em Canto, Mestre em educação musical. Carlos (Caju) é educador de Musicalização na Casa Ideia.